Ela
gritou. Ninguém a ouviu, ninguém a viu, ninguém a acudiu. Mas ela gritou.
Começou
com uma simples e eventual conversa. Depois mudou o rumo. O corpo dele era tão
pesado e o dela tão leve… Ele pressionou-a contra a parede, molhada da chuva,
como se ela tivesse dado permissão ou tivesse mostrado qualquer tipo de
interesse. Tocou-lhe como se ela fosse dele. Beijou-a como se ela o amasse e
aquele momento fosse apenas uma aventura amorosa de um casal jovem e feliz.
Como se ela quisesse…
Usou-a
e abusou dela, até ela não conseguir mais lutar. E ela lutava, tanto quanto
podia ou o seu corpo lhe permitia. Aquele último toque, ardente e repugnante,
foi-lhe um clarão. Nunca, enquanto vivesse, permitiria que ele corrompesse o
seu santo sossego interior, o seu poço de vida encantado, meigo, fogoso.
E
ela gritou mais alto, lutou com mais vigor, debateu-se contra aquele pilar
gélido que não compreendia o significado de privacidade íntima.
Eventualmente
ele fartou-se do alvo agitado. Mas antes, como se não tivera já feito o
suficiente, como se já não tivera perturbado aquela mente jovem, proferiu algo
que dava a entender que ia voltar. «Não acabo o que comecei porque tenho coisas
para fazer».
Afastou-se, deixando-a imóvel,
despercebida, sozinha.
Tanto
que ela lutou, que ela gritou, para quê? Ele tirou-lhe a paz à mesma. O pouco
de menina inocente e afável que ela ainda pudesse ter, partiu naquele momento,
nas mãos de um estranho e inepto, um desconhecido que por casualidade do
dia-a-dia, resolveu atrapalhar o sossego de uma amante.
A
mãe, o pai, os amigos, de que serviam eles agora? A presença deles passava
despercebida. Não havia companhia no mundo que a fizesse sentir-se auxiliada.
Vezes
e vezes sem conta, explicou o mesmo. ‘Ele apareceu, encostou-se a mim,
tocou-me, foi-se embora.’ Encontrá-lo? Identificá-lo? Era bom. Mas do que é que
isso serve agora? Ele tirou-lhe o que de mais precioso ela tinha. Ela era
segura de si. Agora é apenas mas uma que vive com os olhos postos no mundo à
sua volta, não em si. Não valerá de nada apanhá-lo. Ela já não é quem era.
Esperemos o melhor.
Pode
ser que ela não se perca, que tudo lhe sirva de lição. Mas lição de quê? Para a
vida? Que vida terá alguém, se para si todos lhe são ladrões ou profanadores de
paz?
Tanto
que ela gritou. Não passaram de gritos mudos. Ela chora, isso não há como
negar. É a única vontade, o único escape dela. Foram só gritos mudos. Pobre
menina, perdeu a voz.
‘’please…
please… stop…’’.
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