segunda-feira, 21 de março de 2011

Doce Pena

Pairando, viajo. Viajo através do tempo, através de histórias, através de mundos, através de tudo o que posso atravessar. Impulsionada pelo vento e por suspiros soltos algures, viajo por sítios há muito perdidos e chorados, viajo por terras trabalhadas e cansadas, tal como por ares respirados e forçados viajo.


Viajo por viajar, viajo por precisar, por querer, por desejar; viajo por viajar.


Viajo porque nada mais consigo fazer, senão entregar-me ao vento e deixar-me levar. Viajo porque me cansei de lutar por ficar, inutilmente. Sendo leve, não tenho força para me segurar, não tenho outro remédio senão deixar-me levar.


Habituei-me a viagens e há descoberta. Habituei-me a deixar-me seguir com o vento e a conhecer outras histórias previamente insignificantes. Voo e vou retendo. Retenho a mágoa, a alegria, a tristeza, a felicidade, o ódio, o amor; retenho tudo o que é deitado fora e largado ao vento, na vã esperança que não volte. Retenho o que não querem, o que não precisam.


E é retendo que viajo, leve e pura, de um branco imaculado. Vou retendo e perdendo peso, recolho o que não querem, limpo o ar de impurezas, deixo paz e tranquilizo os que ao céu atiraram os seus desesperos.


Recolho aqui, recolho ali, recolho onde há para recolher. E assim me vou mostrando, assim vou passando … Até deixar de passar, até a dócil ave perder outra pena e eu perder a leveza, substituída por uma mais prestigiada que eu. Vem Leve Pena, vem e substitui-me, que já recolhi demais. Vem Leve Pena, alivia-me a leveza.

domingo, 13 de março de 2011

Banalidades

Perdeste peso. Antes dizias mundos e fundos, agora são só mais umas dicas para a lista do banal. Por muito que te queira tornar menos leve, não consigo dar-te o peso que tinhas antes, não consigo fazer das tuas palavras vulgares aos ouvidos de tantas algo excepcional e sentido.


São banais, são vulgares; sinto falta delas. São triviais, mas existem. Por parte de alguém, existem.


“Não te vou dizer o banal ‘deixava-te a mulher mais feliz do mundo, porque isso é coro. Mas que te proporcionava momentos de prazer e bem-estar, que te fizessem sentir especial, e única, que te fizessem sentir que mais nada importa, que só existe eu e tu, eu só te dava razoes para acreditar, CONFIAR, amar, eu fazia de ti minha senhora, minha ‘mais que tudo’, eu levava-te ao infinito e regressava sempre de mãos dadas contigo … Até que acabasse como tivesse de acabar, eras minha para ‘sempre’... Amo-te.”
E, talvez, certas banalidades percam o valor, mas ditas de forma mais elaborada ganham outra importância. Talvez o banal não seja assim tão mau. O banal acaba por ser uma rotina, um hábito de que não dispensamos, que por mais que nos pareça plural, exigimos que esteja presente.


O banal não é mau, é vulgar, não é mau. Reagi de tal modo pois esperava que o banal fosse singular, inocentemente esqueci-me que o trivial nunca é dito só uma vez, a uma única pessoa, é o que torna o banal imprescindível.


Sim, perdeu o peso dito como sempre ouvi, tornou-se um novo hábito dito como agora vi.

Dou-te peso, não te quero leve. Amo-te. É banal, é rotina, é indispensável. É sentido, é quotidiano, é real. Amo-te.

terça-feira, 8 de março de 2011

- Afinal , capaz de odiar

Como um dia me julguei , acabaste por me julgar , docemente pedindo que não fosse capaz de odiar . Julguei-te grande , gigante , algo único e inédito , julguei-te algo amável , como já te tinha dito . Amei-te e pensei 'como posso eu odiar ?' , com tanto amor que tinha para dar . Dei tudo de mim , alimentei o esfomeado , dei o que podia , dei algo a tudo acabado .
Pedi a tua presença , apenas alguma atenção , falhaste-me em todos os aspectos , com a desculpa do perdão .
Não me peças o impossível , não o vou fazer , acabo por te odiar , mesmo sem querer .

Como uma Pedra

Como uma pedra , caida ao mar . Cai e com o peso desce . Desce e desce e desce . Afunda o máximo que pode e só pára quando atinge o fundo . E atinge o fundo porque tem de atingir . Pára porque tem de parar . Se nao houvesse fundo , se nao houvesse o que atingir , cairia nas desgraças do mar . Como tem um fundo para atingir , afunda . Afunda no escuro , turvo , frio , ingenuo mar , que , mesmo nao querendo , afunda tudo o que nao luta por ficar . Afunda o lutador cansado e o perdedor, afunda o bom e o mau , quem quer e quem nao quer . Afunda o que nao luta e , quanto está zangado , afunda o que luta .
Zanga-se quando lhe apetece , levando com ele o que nao faz questao de levar , afunda tambem o que anseia ficar .
E a pedra , coitada , sem ter como lutar , tristemente afunda e acaba por lá ficar . Sem ninguem que a tire de lá, habitua-se ao frio e à escuridao , que o aparente belo mar guarda , estranhando a luz e amando a solidão . Como uma pedra , no fundo , escuro e turvo mar , que bate no fundo e nao tem como voltar. Fica porque tem de ficar , fica porque nao ha quem a faça voltar .
Fica pedra , fica , que só podes ficar .