O tempo vai, o
tempo vem. O tempo tem tempo e o tempo não pára. Vivemos consoante o tempo e o
tempo não se digna a parar; paramos nós por opção, o tempo não pára por nossa
vontade. Aliás, o tempo é intemporal.
Mas parei no tempo e observei-me. Observei o que tinha e o
que dispensei, o que queria e o que não queria, o que precisava e o que não me
fazia falta. Deparei-me com vícios e hábitos, rotinas e horários, gostos e
abominações, desejos e problemas; deparei-me com o meu Presente. Pensei então
no que realmente devia permanecer o no que podia dispensar.
Posso dispensar o
desgosto, a tristeza, o rancor e a vontade de te ter comigo, o ódio por me
teres deixado e a Deus por te ter levado; posso por de lado as banalidades que
contigo aprendi a valorizar, posso dispensar tudo o que de mau existe. Mas
quero que permaneça comigo as memórias, a saudade, a felicidade e o carinho, o
amor imenso que sinto por ti; quero que permaneça tudo o que tenho de ti.
Portanto não posso dispensar o ódio, nem o rancor, nem o desgosto; não posso
dispensar sinais de existência Não posso apenas guardar no pensamento o
primeiro beijo à chuva, as noites acordada a consolar-te, as tardes dedicadas
unicamente a ti, as manhãs passadas à tua espera, não posso guardar só aquele
momento de contos de fadas em que me pegaste na mão, olhaste-me nos olhos nos
olhos e docemente beijaste-me, dizendo que era tudo o que querias.
Para contar a nossa
história tenho de guardar também a tristeza por me teres traído, por me teres
substituído, por não ser suficientemente boa para ti, por ter dado tudo de mim
e ter ficado sem nada. Tenho de guardar também na memória a vontade de enterrar
a cabeça na almofada e chorar até não conseguir mais por ainda não me ter
habituado à tua ausência. Tenho de guardar comigo o facto de não te ter dado
mais, de ter acabado.
Só assim posso contar a nossa história. E quando contar a
quem se interessar, vou dizer:
-Começámos. Fomos
felizes. Errámos. Sofremos. Acabámos.
E esta, com todas
as memórias, foi a nossa história. Memórias boas e más, agradáveis e para
esquecer; com todos os doces e amargos pormenores, esta é a nossa história.
Intemporalmente, tivemos uma história no meio de tantas que se guardaram no
tempo.