sábado, 4 de junho de 2011

Necessidade

Falta-me algo. No meio de tudo o que me pertence, há algo que não tenho. Há algo que me faz falta, mas que não é presente na minha vida, que identifico não por não ter importância suficiente, mas como algo que quero. Mergulho em pensamentos e acontecimentos, em memórias e factos, mergulho com mágoa na saudade e na dor da distância, na dor incompreensível da ausência.

No escuro, onde apaguei e me privei de todas as memórias, procuro fragmentos do que outrora era preenchido, do que outrora fazia sentido e era necessário.

Recolho pedaços, junto-os na vã esperança de formar algo reconhecível, algo que me falte, algo que quero.

Vou atingindo, aprisionando, retendo tudo o que sinto passar pelos meus dedos, mesmo que no escuro não identifique a sua origem. Vou recolhendo tudo e juntando os bocados, unindo tudo de forma a criar algo idêntico ao anterior. E atingindo esse ponto, procuro sentido nesse algo que os fragmentos me apresentaram, exigindo um fim para a informação recolhida. E volto a mergulhar no escuro, procurando novos fragmentos que possa utilizar para assegurar o uso do que formei.

Dou por mim a vaguear nesse escuro, que antes era luminoso e vivo, que antes era origem de contentamento e que, por alguma razão, excluí do meu dia.

Rendo-me ao inevitável desagrado da ignorância, aceitando-o como um coerente erro impossível de apagar. Habituo-me ao desagradável e castigo a minha memória por não me recordar do porquê de ter posto tamanho contentamento fora do meu alcance.

Perco-me nos castigos mentais e nos esforços inúteis a fim de relembrar porque perdi o que me faz falta, se tanto preciso e quero que me pertença novamente.

Perco-me e vou caindo no escuro. Sinto a vida a passar-me pelos dedos e observo todas as memórias mantidas.

Analiso cada momento, cada acontecimento, cada pensamento. Coisas boas e coisas más sobressaem, com os seus prós e contras, está lá tudo.

Tudo o que aconteceu, tudo o que levei a acontecer. Está lá tudo presente, tudo o que queria e precisava, tenho tudo comigo.

E mesmo assim, tendo tudo no sítio, tendo tudo o que preciso para tornar o meu dia relevante, há algo que não está lá, que não está presente. Por mais que vagueie na memória, estará sempre escura. Basta não estar lá algo, algo que me faz falta, e será sempre um lugar vazio e escuro, proveniente de um erro que quero a todo o custo remendar.

Culpo-me por não ter sido flexível, por certamente não ter tolerado o suficiente, por ter sido egoísta ao ponto de excluir algo que precisava por razões, talvez, ridículas. Castigo-me por ter agido assim, por não saber aceitar algo que me aborreceu momentaneamente, por ter sido rígida e bruta e ter banido algo tão importante.

Após tanto suplício, surge uma pequena luz. Como um raio de esperança que abrilhantou o meu escuro. Há medida que o escuro desvanece, testemunho uma vaga de felicidade, de calor, de luz, de algo simpático que me perdoa, que me devolve o que me foi tirado.

Agradeço, chorando e rogando pragas a quem não agradecer juntamente. E recebo calorosamente o que tanto me fazia falta, o que tanto queria novamente no meu pensamento. Recebo, satisfeita e com lágrimas doces no rosto, o que outrora desperdicei. Recordo pensamentos e acontecimentos, memórias e factos, recordo tudo o que antes me foi concedido. Lembro-me então do porquê de ter abdicado do que me fazia feliz momentaneamente.

E deixo o escuro voltar, deixo o escuro apoderar-se do meu particular ser, deixo-me castigar e culpar. Pois o que antes me fez renunciar o que me fazia falta, forçava-me novamente a abdicar do que agora quero.

Tenho de largar e desistir. Sempre que me lembrar de ti, é uma obrigação a seguir. Tenho de abdicar de ti, porque me fazes falta.

Fazes-me falta porque me contentas. Tenho de abdicar porque não te faço falta, porque apesar de me quereres e sentires necessidade de me teres perto, a dor que te transmito por me contentares é maior.

Então, perdoa-me. Volto a ser egoísta e a excluir-te, pois o melhor para um alvo é que desistam de chegar a ele, só assim está em segurança.

Abdico do que me faz falta, porque o que quero e preciso não precisa das minhas vontades.

2º Lugar , com orgulho ♥

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